A hora dos sólidos
Acho que há um horário da inocência, o horário da natureza, 
o horário que faz sentido para nos nossos pequeninos. 



Estando a viver no Gana, em África, não foi fácil perceber como começar a introduzir os alimentos sólidos na alimentação do meu bebé. Aproveitei uma viagem que fiz a Portugal quando ele tinha três meses para visitar um pediatra e saber que recomendações me dava. Quando regressei ao Gana, visitei também o pediatra e ouvi as suas recomendações. Eram completamente diferentes, claro. Culturas e mentalidades diferentes.
O pediatra ganês recomendou-me que a partir dos seis meses desse ao meu bebé duas colheres de sopa de papas de cereais à base de arroz, uma vez por dia, durante um mês. De resto, que continuasse a dar peito. Seria uma forma suave de introduzir os sólidos e com pouca probabilidade de gerar alergias. Mas o pediatra sabia que o meu bebé sofria de prisão de ventre e o arroz prende o intestino, por isso não me pareceu um conselho muito adequado...
O pediatra em Portugal disse-me que a partir dos quatro meses eu podia começar com a sopa de legumes e a partir dos seis meses inserir a carne e as frutas. Como eu fiz amamentação exclusiva até aos seis meses, foi só aí que comecei com a sopa de legumes e, passado pouco tempo, sim, introduzi a carne e as frutas.
Bom, tentei arranjar um compromisso entre o que os dois médicos me disseram. À medida que fui começando, começaram a surgir dúvidas, mas não podia estar sempre a telefonar para o pediatra de Portugal e, no pediatra ganês, confesso que confiava pouco depois do conselho dos cereais à base de arroz...
Assim, comprei na mesma os cereais de arroz, mas decidi começar pela sopa de legumes. A primeira dúvida que me surgiu foi: então, mas em que horários vou começar a dar as refeições? E o peito? Continuo a dar depois da refeição ou a refeição vai substituir desde já o leite do peito? Foram questões que os pediatras não me avançaram de todo ou de forma clara e que eu, por inexperiência, não perguntei logo. Uma vez que só falava com o pediatra de Portugal em caso de urgência e não confiava muito no pediatra ganês, recorri à Internet, mas também nunca encontrei um site ou Blog que me indicasse especificamente:
- que alimentos começar a dar ao bebé?
- a que horas?
- quantas refeições por dia deveria começar por fazer?
- que quantidades deveria começar por dar?
- devia dar peito a seguir a cada refeição ou algumas refeições já substituíam o peito?

Valeram-me duas coisas: a curta cábula que o pediatra português me escreveu e uma tabela da Nestlé (oferta de uma revista para pais) com sugestão de receitas e distribuição de refeições ao longo do dia (as porções estão muito bem indicadas de acordo com o apetite da criança, mas claro que cada pai deve adaptar ao apetite do seu bebé). Reproduzo quer a cábula quer a tabela da Nestlé no final. A tabela foi um grande apoio para mim, mas nunca a segui totalmente à risca, pois fui jogando com ela e com as indicações dos pediatras, e com as leituras que fui fazendo na Internet.
Li algures para não dar tanta importância inicialmente à hora a que se começava a introduzir os sólidos, mas antes ao facto de o bebé estar bem-disposto e com fome (não faminto, mas com alguma fome). Assim, comecei por tentar introduzir o almoço, já que ao final da manhã o meu bebé fazia uma sesta e parti do princípio que, acordando e estando bem-disposto, talvez fosse uma boa altura para tentar. E foi :-)
Introduzir o jantar já foi uma aventura maior, pois à noite ele já estava bastante cansado e birrento. Descobri que se lhe desse o jantar depois do banho ainda era pior (primeiro, porque ele se sujava muito a comer e segundo porque o banho o deixava mole e de imediato pronto para a cama, estando o jantar fora de questão!)
Aos seis meses, eram estas as refeições do meu bebé:
6h00 - mama
9h ou 9h30 - mama
12h ou 12h30 - almoço: sopa de legumes simples (batata + cenoura + fio de azeite em crú). Dava-lhe duas colheres de sopa desta sopa de legumes e o resto guardava para o dia seguinte, mas nunca gostei de ter a sopa do bebé no frigorífico mais de dois dias. Se sobrava mais do que esse tempo, eu comia-a :-)
A seguir, mama.
15h ou 15h30 - lanche: cereais de arroz ou frutinha (maçã ou pêra ou banana ou papaia ou pêra abacate ou uva ou manga ou laranja ou ananás). Sim, ananás, pois em África são bem docinhos, pouco ácidos. Laranja dava com moderação e só se fosse bem doce. Como o meu bebé era preso dos intestinos, eu precisava de ter cuidado extra com o equilíbrio das frutas que prendem e que soltam o intestino. De vez em quando, misturava uma que prende com uma neutra ou uma que soltasse (exemplo: banana que prende + pêra abacate que solta; uva que solta + pêra que prende, etc.) Há vários sites na Internet onde é possível encontrar as frutas que prendem e que soltam o intestino do bebé. No final, apresento apenas uma curta lista de algumas frutas e outros alimentos que provocam gases, prendem e soltam os intestinos (mas cada bebé é único e o que faz um efeito num bebé pode fazer o efeito contrário noutro. A lista que apresento é meramente indicativa e geral).
Gostava mais de dar fruta fresca ao meu bebé do que fruta cozida, por causa de manter as vitaminas. E nunca triturava a fruta; esmagava-a com um garfo. Se fosse preciso, como era o caso da maçã e às vezes da pêra, ralava primeiro para poder esmagar a seguir. É importante os bebés habituarem-se às texturas e a não ter tudo triturado.
A seguir, mama.
18h ou 18h30 - mama
Durante a noite: mama
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Entre os seis meses e meio e os sete meses, inseri algumas alterações:
- comecei com novos legumes: um novo legume a cada dois dias para ver se havia alergias;
- comecei com a carne: perú e frango. Deixei vaca para mais tarde e outras carnes também;
- comecei com o peixe. Há pediatras que recomendam o peixe somente a partir dos oito meses por causa das alergias, mas eu decidi começar mais cedo. Dei muito pouquinho de início, para ver como o organismo do meu bebé reagia. Como não sofreu nada, continuei;
- introduzi o jantar: sopa de legumes simples com azeite, sem carne nem peixe.
Assim, entre os seis meses e meio e os sete meses, tinha:
6h00 - mama
9h ou 9h30 - mama
12h ou 12h30 - almoço: sopa de legumes (fui experimentando abóbora, alho francês, chuchu, cebola, e alho + sempre o  fio de azeite em crú no final. Ervilhas, couve e feijão verde só a partir dos oito meses. Gostava de ter experimentado o agrião, mas no Gana não me era fácil encontrar). Dava-lhe duas colheres de sopa desta sopa de legumes e juntava duas colheres de sobremesa de carne picada (frango, perú ou borrego). Nunca fiz as sopas muito ralas. Sempre tentei que o meu bebé se habituasse a alguma consistência. A seguir, mama.
15h ou 15h30 - lanche: frutinha amassada. A seguir, mama.
18h ou 18h30 - jantar: cereais de arroz ou sopa de legumes simples. Normalmente, eu fazia ao almoço quantidade de sopa suficiente também para o jantar só que ao jantar não juntava carne. A seguir, mama.
Durante a noite: mama

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Os ovos, os iogurtes, o leite de vaca e outros alimentos que não constam nas listas acima, decidi só introduzir entre os dez meses a um ano de idade.
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Aos oito meses senti necessidade de espaçar mais as refeições, por duas razões: 1. haver algum espaço para a digestão (não deitar o bebé de barriga cheia pois as quantidades de comida iam aumentando); 2. tentar "treinar" o estômago do bebé a estar mais horas sem comer para que conseguisse reduzir ou mesmo acabar com as mamadas da noite (ver mais aqui). Espacei então as refeições em intervalos de quatro horas. E foi também altura de acabar com a mamada da hora do almoço. Esta refeição passou a ser mais substancial.


6h00: papa (dissolvida com leite do peito extraído, ou leite de soja, ou água) + mama a seguir



10h00: mama (e de vez em quando um bocadinho de fruta amassada ou em pedaços para o bebé treinar a mastigar)

14h00: almoço (só refeição sólida, sem mama): três colheres de chá de carne/peixe/ovo (meio ovo) + duas ou três colheres de sopa de hidratos de carbono (batata, massa, pão em açorda,  batata doce, ou outro) + quatro ou cinco colheres de sopa de verduras (alface/feijão verde/bróculos/espinafres, ou outro). Cada mãe vai ajustando depois consoante o apetite do bebé. Não há que enganar: o bebé saberá bem dizer quando está cheio e não quer mais (ou fecha a boca, ou começa a chorar, ou faz "bola" com a comida na boca, ou vira a cara para fugir à colher). Respeite o apetite do bebé e não o obrigue a comer se ele não quiser.



16h15: mama ou frutinha amassada (por vezes com uma bolacha tipo Maria ou um bocadinho de pão integral)

18h00: jantar + mama a seguir


Durante a noite: mama (sim, com oito meses, o meu filho ainda acordava uma vez para mamar!)

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A partir dos oito meses fui seguindo mais de perto a tabela da Nestlé, começando, como descrevi, a substituir algumas mamadas por refeições completas. E fiz um plano sozinha:

- Aos oito meses acabar com a mamada da hora do almoço. Nos dois primeiros dias o meu bebé estranhou a falta da mama a seguir aos sólidos, mas passou-lhe depressa :-)
- Aos dez meses, acabar com a mamada a seguir ao jantar e passá-la para antes de deitar o bebé (ver abaixo a rotina).
- Aos onze meses acabar com a mamada do meio da manhã.
- Até aos dois anos manter as mamadas da manhã (6h00) e/ou a mamada antes de pôr o bebé a dormir à noite.

O desmame depende do bebé e da mamã. Se puder ser desmame natural, tanto melhor. Se for desmame programado, convém que seja feito de forma progressiva. Veja mais sobre desmame aqui.

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Aos nove meses, eram estas as refeições do meu bebé:

6h00  - mama (a seguir, ir caminhar com os pais)

7h15 ou 7h30 - pequeno-almoço (papa ou duas torradas, da grossura de um dedo polegar). Começou a tomar o pequeno-almoço de gente grande à mesma hora que os papás e à mesa connosco, sentado na sua cadeirinha  :-)

10h ou 10h30 - mama + frutinha ou 1 torrada (da grossura do dedo indicador)

12h30 ou 13h00 - almoço (ver tabela da Nestlé no fundo. Comecei aos 9 meses a separar os alimentos para que o meu bebé começasse a sentir os sabores e as texturas individuais, quer dizer, em vez de misturar os ingredientes todos numa espécie de sopa, o almoço passou a ser carne ou peixe ou ovo + hidrato de carbono como batata ou massa + legumes, tudo separado e apenas esmagado com o garfo. A carne eu partia em pedacinhos muito pequenos. Se fosse impossível lá metia a varinha mágica, mas evitava. Mesmo as massas, o esparguete, o arroz, se forem bem cozidos ficam macios e dá para esmagar com o garfo.)

15h30 - Lanche: mama (ou mama + frutinha, consoante o que ele tivesse comido ao longo do dia)

17h30 ou 17h45: jantar, sopa de legumes (sem carne nem peixe) ou  papa. Só a partir dos 10 meses é que comecei a dar proteínas (carne, peixe, ovo) duas vezes por dia, ao almoço e ao jantar. Até aos 10 meses acho que não há necessidade de sobrecarregar o organismo do bebé, mas há médicos e pais com opiniões diferentes, que entendem que a partir dos seis ou sete meses se pode dar proteína duas vezes por dia. Cada pai fará o que é melhor para o seu bebé.

18h30 ou 18h45: mama

Comecei, portanto, a dar-lhe o jantar mais cedo e a mama só pelas 19h, antes de o deitar (lendo depois a história para garantir que ele não voltava a associar a mama directamente à hora de dormir). Acho que dar de jantar pelas 17h, 17h30 ou 17h45 não é cedo demais, ao contrário do que outros pais possam pensar (todos temos opiniões diferentes e filhos com ritmos diferentes). Os bebés têm dias relativamente curtos, pois precisam de muito descanso, pelo que um jantar pelas 17h não me choca mesmo nada. E além disso, dar o jantar cedo ao bebé evita que ele esteja com a birra do sono e não queira comer. Digamos que acho que é normal os bebés seguirem o ritmo do sol como faziam os nossos avós: acordavam "com as galinhas", almoçavam às 10h ou 11h da manhã e jantavam pelas 16h ou 17h para irem dormir quando o sol se punha. Acho que esse é o horário da inocência, o horário da natureza, o horário que faz sentido para nos nossos pequeninos.

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Os sólidos e as saídas à rua

Quando saía à rua com o meu bebé por períodos curtos ou médios de tempo, optava por confeccionar comida em casa e levar. Nunca gostei da comida de boiões. Normalmente, tinha sempre sopa feita para ele, pelo que mesmo que saísse sem planear, estava safa: bastava colocar a sopinha num pote de vidro e levar. Claro que para fins-de-semana inteiros fora de casa ou férias na estrada, em sítios onde não é possível cozinhar, as refeições de boião dão muito jeito. Mas não acho desejável abusar delas.
Desde o início que habituei o meu filho a comer a sopa à temperatura ambiente e a fruta também (ou fresca), para evitar ter que aquecer quando saíssemos à rua. É que na Europa ainda vai sendo possível encontrar locais onde se pode pedir para aquecer a comida do bebé, mas no Gana é mais complicado. Por isso, acho que foi uma decisão sensata.
Para levar fruta, optava por cozer maçã ou pêra, já que assim não oxidavam. Se estivesse à pressa, levava comigo uma banana e um garfo, e esmagava na altura de comer. Também podia levar uma pêra crua madurinha, mas já tinha que levar a faca, descascar, etc. Pode parecer uma logística mais complicada, mas foi opção minha para evitar as comidas de frasco.
O que precisa para sair e levar comida para bebé? Pote de vidro para sopa e/ou pote de vidro (mais pequeno) para fruta, mala térmica, colher (duas, para o caso de uma cair ao chão e não ter onde lavar), babete (nunca fui grande fã dos babetes, mas por vezes são úteis), biberão com água (o bebé pode ter sede), fralda ou guardanapo para ir limpando à medida que o bebé come, toalhita para no final limpar boca e mãos.
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Efeito de algumas frutas e de outros alimentos no intestino:
Os que tendem a prender...
Banana, batata, bolachas de água e sal, cenoura cozida, gelatina, limão (também pode ser neutro), maçã, maracujá (também pode ser neutro), maisena, pão branco (assim como arroz branco e massas brancas)
Os que tendem a soltar...
Abacaxi, abóbora, ameixa, aveia, couve, espinafres, ervilhas (vegetais de folha verde de uma maneira geral, como alface, agrião), feijão, figo, iogurte, laranja e tangerina (também podem ser neutras), lentilhas, manga, melancia e melão (também podem ser neutros), milho, papaia, pão de centeio (assim como pão integral, massa integral e arroz integral), tomate, pepino, pêra abacate, tomate, repolho, uva
Os que tendem a provocar gases...
Acelgas, agrião, alho, batata doce, beterraba, bróculos, cebola, chocolate, condimentos em geral, couve, ervilhas, feijão, grão-de-bico, leite de vaca, lentilhas, melancia, melão, milho, nabo, nozes, ovos, peixe, pêra abacate, queijos com tempero, rabanete, refrigerantes, repolho.
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        Cábula do meu pediatra em Portugal
A partir dos quatro meses (que eu não segui porque mantive a amamentação em exclusivo até aos seis meses): 
- Sopa de legumes uma vez por dia: batata + cenoira + fio de azeite. A cada 2 ou 3 dias juntar um novo legume, excepto feijão verde e couve (por causa dos intestinos)
- Papa sem glúten.
A partir dos seis meses:
- Duas vezes por dia sopa de legumes com carne (frango, perú, borrego)
- Fruta: banana, pêra, maçã. Outras frutas dar menos (morango, citrinos, ananás, kiwi)
- Papa com glúten
A partir dos 8-9 meses:
- Tudo o anterior e inserir peixe e vitela.

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Ver aqui a adaptação da Tabela de menus aconselhados pela Nestlé: o primeiro ano e seguintes.